É preciso refletir sobre isto

SILÊNCIO. Não se pode falar sobre o garoto que foi violentado no banheiro da escola. Mas a mãe, indignada, tenta buscar apoio e justiça para o seu filho que, apesar de já ter treze anos, age como uma criança de cinco. Os agressores, menores de idade, filmaram tudo, produzindo assim provas contra eles mesmos. Não se tem nem a preocupação de esconder o delito, é preciso registrar tudo para que os outros possam ver o quanto corajosos e destemidos eles são.

Quando eu era adolescente, estudei nessa escola onde aconteceu essa tragédia. Recordo que, em uma ocasião, alguns alunos vândalos quebraram a pia do banheiro masculino. A escola toda foi penalizada. A diretora passou de sala em sala falando sobre a responsabilidade em cuidar do bem comum, e cada aluno teve que levar material de higiene e limpeza para compensar os gastos que teriam com o conserto do banheiro. Além disso, todos nós fomos convidados a uma reunião coletiva com a Diretora no pátio da escola. Ouvimos sobre a importância do estudo, do respeito entre nós e da formação de uma cidadania consciente.

Aprendi a lição, mesmo não fazendo parte do grupo de arruaceiros. Descobri que um ato mal feito, mesmo que individualmente, atrapalha a vida de toda uma comunidade. Até os inocentes acabam pagando por algo que não fizeram. Isso é injusto, pensei na época, mas, hoje, vejo que é mais comum do que eu imaginava.

HORROR. Todos nós temos visto as discussões sobre a legalização do aborto no Brasil. Os magistrados falam de cátedra, colocando suas togas negras e dando ares de semideuses, ignoram os apelos da maioria do povo. Alguns políticos desconversam e jogam a reflexão e, quem sabe, a decisão, para outras mãos. Parecem Pilatos, lavando as mãos para não ter parte na condenação de Jesus.

Com isso, mais inocentes vão recebendo uma sentença apenas por estarem sendo gerados no ventre de uma mulher. O que fizeram para receber a pena de morte cruenta? Nada. Talvez por ser fruto de um adultério, ou de um abuso, ou mesmo em nome de uma liberdade ilusória em achar que pode fazer o que quer do próprio corpo, esquecendo-se de que o corpo que será morto não é o dela, mas do filho que leva em seu ventre.

Pegue uma criança recém-nascida e pense nessa possibilidade de ter sido abortada por um dos diversos métodos que se tem hoje em dia. Olhe bem no rostinho dela, escute o seu coração bater, ouça o choro de fome ou de cólica e fale se é possível matar um ser assim. Veja se é natural interromper uma vida simplesmente por que “eu quero”. Sem direito à defesa ou mesmo a uma chance de se desviar dos instrumentos abortivos que vai retalhando o seu corpo indefeso.

Como não podem falar, devemos nós falar por elas. Como não podem se defender, deveremos nós defendê-las da violência imanente, como não podem legislar em favor do direito à vida, devemos nós lutar por leis que protejam a vida em todos os sentidos. Quando uma criança é abortada violentamente do ventre de sua mãe, nós, que nos calamos, levamos para sempre a frustração de uma vida que nem chegou a nascer. É preciso deixar de sermos surdos a esses gritos silenciosos. A indiferença e o silêncio continuam matando o nosso próprio futuro.

ESPERANÇA. Estava na minha sala de atendimento e, quando pensei que havia atendido a todos os que estavam esperando, ela chegou sem avisar previamente. Sentou-se na minha frente e perguntou: “Sabe quem é meu pai?”.  E eu fiquei muito feliz quando revelou o nome do seu pai. Um amigo que faleceu recentemente e que deixou uma família linda, pois conseguiu, com o seu jeito simples, amar os seus de maneira incondicional.

Conversamos sobre a vida e sobre a morte. Tentamos decifrar os últimos momentos do seu pai entre nós e percebemos que ele aproveitou todas as chances que Deus lhe deu para poder retornar à vivência da sua fé. Agarrou a chance que Deus lhe deu de ser próximo daquilo que realmente vale a pena: A convivência com o Sagrado. Retornou à sua Igreja, da qual há anos havia se ausentado, e, talvez, sentindo saudades de Deus, soube fazer o caminho de volta, sem alarde, sem falar mal de ninguém, ou culpar alguém pelo seu distanciamento. Apenas voltou.

Com isso, fez com que sua família também percebesse que existe algo mais importante que os anseios deste mundo. Existe um caminho que nos possibilita tocar o que é eterno. Alimentar-nos do próprio Deus.

Mostrou a eles que, apesar do silêncio daqueles que podem ajudar alguns jovens dessa geração tão distante dos valores morais e éticos, e apesar do horror imposto por uma sociedade fria e egoísta, ainda é possível sentir que Deus está ao nosso lado e estende sua mão a todos que queiram conhecer a sua misericórdia.

O cristão é aquele que vive neste mundo com os olhos voltados para o céu, sem nunca tirar os pés do chão, afinal, o caminho para a eternidade se faz caminhando pelas estradas da vida.

O cristão é aquele que não perde a esperança na humanidade e, assim como Deus Pai, não desiste nunca de nos levar de volta ao Paraíso perdido.

O cristão é aquele que não se deixar anestesiar pelos horrores do mundo, pois carrega consigo a esperança e a certeza de que o homem possui um bom coração. O que ainda precisa é afastar-se do mal que corrói os corações e as mentes, e aproveitar as oportunidades que Deus sempre nos dá, de nos aproximarmos do bem e d’Aquele que nos ama de verdade.

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal