A vocação sacerdotal é um mistério. Chamamos de dom de Deus para a humanidade, e realmente o é. Participei, há poucas horas, de uma celebração diaconal, onde dois novos jovens receberam, pelas mãos do bispo, o primeiro grau da ordem. Fiquei observando tudo o que acontecia ao meu redor. A catedral cheia de fiéis dava a certeza de que o povo continua tendo sede de Deus, e, de maneira muito especial, fome de Eucaristia.
A formação para um diácono e depois padre é longa. Podendo ser no mínimo oito anos para os diocesanos, e chegando a doze para os de congregações religiosas. O tempo vai lapidando a vocação. Chegam sempre com o coração inflamado de coragem e de amor a Deus. Passam pela desconstrução da fé intuitiva para ser alicerçada pelas ciências filosóficas e teológicas, passando ainda pelos estágios pastorais, tão necessários para não se esquecerem de que, tudo o que receberem de formação e conhecimento, é para levar o povo a encontrar Deus com mais profundidade.
O papa Francisco, logo no início do seu pontificado, disse que: “O pastor precisa ter o cheiro das ovelhas”, referindo-se à pessoa do padre no seu trabalho junto ao povo. Ter o cheiro do povo, quis dizer ele com muita simplicidade e profunda sabedoria. É por isso que passam tantos anos na formação seminarística. Para não serem superficiais quando forem falar de Jesus e do seu evangelho. Para não ficarem nos “achismos”, deixando que a emoção e os modismos religiosos contagiem os seus pensamentos e as suas ações junto aos fiéis.
Aprendem sobre as escrituras de maneira racional e científica, sem nunca esquecerem que o Livro Santo também é inspiração divina. Descobrem que a Bíblia é a história da fé de um povo que nunca parou de caminhar e, por isso mesmo, continua sendo escrita na vida de muitos homens e mulheres espalhados pelo mundo. Aprendem ainda sobre a Tradição da Igreja que não começou ontem e nem comemorou recentemente cem anos ou quinhentos anos de história. A Igreja Católica tem dois mil anos de história vivida entre sangue e glória, mártires e santos, erros e acertos.
Professamos que a Igreja é santa e pecadora. Pelo motivo de que a mão de Deus nunca nos desamparou e sempre nos apontou para a santidade, mesmo que, em muitos momentos, os pecados e as inconstâncias humanas falem mais alto. Professamos a fé na Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, no qual colocamos toda a nossa esperança. São Paulo nos diz, em uma de suas cartas, que: “Se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria a nossa fé”. Por isso, toda a formação de novos padres precisa estar focada nessa premissa: “A ressurreição”. É uma verdade muito elevada e não pode ser tratada de qualquer jeito e em pouco tempo. Por isso tantos anos, tantos livros, tantos estudos e tantas orações.
Quando entramos na catedral, iniciando assim a santa missa, vi os dois jovens que seriam, em poucos minutos, ordenados diáconos, sentados entre os seus pais, e um filme passou pela minha cabeça. Eu já estive na mesma situação deles. Há alguns anos, também fui ordenado diácono e acredito que as emoções são parecidas. Uma mistura de alegria, gratidão e medo acabam ocupando o nosso coração e, quando percebemos, já estamos ordenados.
Os dois deixavam transparecer pelos olhos a felicidade de estarem ali. Foi um momento muito esperado, muito preparado. A igreja estava toda ornamentada com flores de todas as cores, dando um toque de “Jardim do Paraíso” aqui na terra. A cada canto entoado, o coral nos levava à oração, e concretizava de maneira muito bela a frase atribuída a Santo Agostinho: “Quem canta reza duas vezes”.
No momento da ladainha de todos os Santos, os candidatos ao diaconado prostraram-se no chão. Ali se faz a invocação dos Santos em favor dos candidatos que morrem para o mundo e renascem para a missão diaconal. Serão homens do serviço, servos por amor, que irão colaborar na construção do Reino de Deus. Deverão, a partir de agora, ajudar o padre no pastoreio do povo, até que, em breve, também eles receberão a ordenação presbiteral e se tornarão pastores de homens, recordando a missão de Pedro, dada por Jesus. Assim, também precisarão trazer consigo o cheiro das ovelhas que lhes serão confiadas.
A ladainha dos Santos foi um momento de céu na terra. A cada invocação, o povo, junto com o coral, cantava o mantra “rogai por nós”, elevando até o coração de Deus, através dessa intercessão, os nossos pedidos em favor desses dois jovens deitados no solo, como uma semente que lançada na terra germina e produz muitos frutos.
Diante disso, como podemos deixar de acreditar na humanidade? Como não ter esperança num mundo novo? Como dizer que Deus abandonou o seu povo? Há esperança, enquanto jovens como esses e tantos outros dizem o seu sim definitivo a Deus. Há esperança, enquanto em meio a tantas confusões e desafios a Igreja continua a perpetuar a Eucaristia através do Sacramento da Ordem.
Por isso, é preciso estudar. Fé e razão devem andar juntas. Não se pode jogar fora tanta experiência de Deus no decorrer de vinte séculos. Não se duvida da presença de Deus numa Igreja que continua ordenando homens para levar o povo para o céu. Não se brinca com a fé viva e verdadeira de um povo que acredita na ressurreição e nas promessas de Cristo.
O texto bíblico que eles escolheram para a missão diaconal é: “Aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve” (Mt 20,26b). Obrigado por nos servir com suas vidas. Sejam grandes no amor a Deus e ao próximo.
Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal