Descanse em paz

Ela estava deitada no sofá da sala. Seu corpo, já há muito tempo, dava sinais de que a doença estava vencendo. Nada parava no seu estômago e as dores incessantes dilaceravam os seus dias. O olhar não trazia medo e nem revolta, apesar de já ter vivido muito desses dois sentimentos em sua vida. Apenas resignação e espera carregada de esperança. Esperança na cura que não chegaria, mas esperava noite e dia por um milagre.

Durante o tempo em que a doença a devastava, dentro dela, mais precisamente no seu coração, cresceu uma reflexão sobre a vida, de maneira especial, sobre a sua vida. O olhar não procurava mais a movimentação externa, mas buscava rever toda a sua história. Olhava para dentro e cada cantinho escuro foi sendo iluminado pela esperança da espera da cura.

Olhou para mim, quando entrei na sala, e disse: “Padre, estou morrendo”. Confesso que é muito dolorido ouvir essa afirmação de uma pessoa que já sabe que o fim está próximo. Havia ali uma estranha serenidade que só os que assumem verdadeiramente a sua vida nas mãos conseguem ter. Não era da boca para fora que dizia isso. Pelo contrário. Era uma constatação que já fazia morada em seu coração e apenas aceitava como verdade.

Nesse dia, conversamos sobre a vida e sobre a morte, mas de maneira muito tranquila e reconfortante. Nunca a ouvi reclamar do infortúnio que a doença lhe trouxe. Não maldizia a vida como antes, apenas esperava. A dor era constante e isso a incomodava muito. Aliás, qualquer um de nós não suportaria tanto tempo assim. Mas ela suportou até quando deu.

Foi um tempo propício para reencontrar a fé em Deus. Voltou aos sacramentos. Confessou-se, foi à Missa, recebeu a Unção dos Enfermos. Perdoou e foi perdoada. Amou de verdade e reconheceu que era amada. Olhou os seus pais com os olhos da dor, mas também do amor. Encontrou no sofrimento o caminho para a paz que sua alma tanto almejava. Deu tempo de tirar todas as suas dúvidas sobre as coisas da terra e as coisas do céu.

Um dia, ela me perguntou se poderia continuar usando as roupas que sempre usou ou seria melhor mudar o jeito de se vestir. Disse para continuar sendo quem ela realmente era. A única coisa que precisava mudar já tinha mudado, que era o seu olhar sobre Deus, sobre a sua família e sobre a vida. Ela entendeu que o milagre que ela precisava receber já estava com ela.

Sempre ao seu lado estava a família. Um amor incondicional que tudo supera, tudo espera e tudo alcança. A mãe se desdobrando nos cuidados e se esforçando para não demonstrar a sua dor por ver sua menina sofrendo. O pai cuidando do corpo debilitado da filha e fazendo de tudo para dar a ela um pouco de alento e conforto. Os dois, mãe e pai, amadureceram juntos com a doença da filha. Tenho certeza de que olham o mundo hoje de uma maneira diferente. A dor desses últimos meses foi uma grande escola.

Eu estava dirigindo quando recebi uma ligação no celular. Parei o carro, mas a voz, entrecortada, não deixava completar a frase. Mesmo assim, consegui entender que ela havia sido levada para a emergência. Sua cunhada disse-me que não estava nada bem. Cumpri rapidamente meus compromissos e voltei para encontrá-la. Sabia, pela notícia que chegou, que o seu fim estava próximo.

Encontrei, sobre o leito, um corpo magro, pequeno, contorcendo-se de dores. Ela abriu os olhos e me disse mais uma vez: “Padre, estou morrendo.” Falei para ficar tranquila que estávamos todos ali. Ao lado da cama o seu pai, a sua mãe, a sua cunhada e sempre uma profissional da saúde dando assistência. Pedi se podia rezar para ela e me disse que sim.

Rezamos. Talvez uma das preces mais emocionantes da minha vida. Não consegui conter as lágrimas. Mas, não podia chorar. Era preciso ficar firme dando apoio e consolo àquelas pessoas, mesmo que, em muitos momentos, as palavras silenciavam e apenas murmúrios de dor eram permitidos naquele ambiente.

Em determinado momento abriu os olhos e me viu ainda ali ao seu lado. Disse, como se numa ordem: “Padre, você está aqui ainda? Pode ir. Deve ter outros doentes para você rezar!”. Achei graça e pedi a sua autorização para ficar com ela até o fim. Ela me consentiu.

Pude presenciar o perdão sendo renovado, mais uma vez. As lágrimas da mãe e o silêncio do pai. As preces silenciosas da cunhada. O olhar cuidadoso das enfermeiras. Vi os seus sinais vitais se apagando no aparelho ligado ao seu lado.

O último órgão a parar lentamente foi o seu coração forte e jovem, como se despedisse deste mundo de maneira solene e tranquila.

A morte a encontrou com o corpo carregado de dores e deformado pela doença. Mas, o milagre havia acontecido. A morte também a encontrou com a alma leve e curada de todas as dores que o mundo lhe apresentou. O que era pó da terra, retornou a terra. O que era sopro divino, retornou ao Criador.

Rezei: “Cristo te chamou. Ele te receba, e os anjos te acompanhem ao seio de Abraão. Acolhei a sua alma, levando-a à presença do Altíssimo”.

Descanse em paz, pequena menina.

 

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal