Da morte à Ressurreição

Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz

Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal 

Era cinco horas da manhã quando ela me ligou. Na mensagem deixada no telefone dizia que tinha encontrado a filha morta. Morreu dormindo. O coração de mãe era dor pura. Como se conformar com essa realidade? Cuidava da filha há quarenta e seis anos. Era uma vida toda de alegria e de sofrimento por ver a cada dia a enfermidade da filha evoluindo. Mas quanta esperança trazia consigo, acreditando na recuperação e na cura de todos os seus males. E agora? Como viver os dias sem ela?

Cheguei a sua casa ainda bem cedinho. Ouvia-se o pranto do lado de fora. Quando entrei na sala, ela, com o rosto coberto pelas mãos, dizia: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Lembrei-me automaticamente da celebração de dois dias atrás, Domingo de Ramos, onde o Salmo trazia justamente esse mesmo lamento. Elas estavam lá. Mãe, pai e filha, participaram da procissão carregando nas mãos os ramos e, depois da missa, foram até mim para receber a bênção a fim de viver bem toda a Semana Santa. Não passava pela cabeça de ninguém que a Paixão e Morte de Jesus Cristo, neste ano, estaria estampada tão fortemente no seio desta família.

O céu, carregado de nuvens, não deixava o sol brilhar sobre a terra, e uma chuva fina e constante molhava tudo o que encontrava pela frente. Na sala daquela casa, junto àquela família, eu apenas me fazia um com eles. O que dizer numa hora como essa? Como acalmar o coração de uma mãe diante da morte da filha? Como trazer consolo se nem o tempo lá fora ajudava? Só me restava abraçá-la, segurar a sua mão com força e dizer: “Estamos juntos nesse momento. Deus vai nos ajudar a passar por essa dor”.

Quando saí de lá, ela me disse entre soluços: “A mãe de Jesus sabe o que estou sentindo. Ela também passou por isso”. Foi nesse instante que percebi a importância de participar da religião cristã e ter fé em Deus. Há um consolo na alma que só quem crê pode sentir. A dor continua latejando dentro do peito, mas, aos poucos, parece que a razão vai se iluminando pela fé e uma serenidade, em meio à agitação, começa a surgir, trazendo uma esperança de quem sabe que a vida não termina nunca.

A filha foi sepultada no entardecer daquele mesmo dia e, depois disso, a saudade parece que fica mais forte. A ausência daqueles que amamos deixa a vida mais pesarosa. Teimamos em querer realizar as mesmas coisas que fazíamos quando tudo estava normal em nossa vida, até descobrirmos que não adianta. É preciso enfrentar a morte com respeito e com firmeza. Não se deixar esmorecer. O luto vai nos acompanhar até o momento que for preciso. Não se apaga um sofrimento com o passar do relógio e nem com o findar dos dias. A vida, lentamente, precisar ir tomando novamente o seu rumo.

No dia seguinte, Quarta-feira Santa, com a igreja cheia de fiéis, iniciei o Sermão do Encontro, onde se enfatiza a troca de olhares entre Jesus, carregando a sua cruz, e sua mãe, que a chamamos nesse momento de Senhora das Dores. No primeiro banco da nave lateral da igreja, estava toda a família que havia sepultado a filha no dia anterior.

Foram buscar forças que só Deus pode dar. Presenciaram mais uma vez o encontro mais emblemático que a humanidade já teve: O Senhor dos Passos com a sua Mãe, a Senhora das Dores. E onde mais poderia estar essa família enlutada, senão no caminho do Calvário, acompanhando os últimos momentos de Jesus nesse mundo? E estavam ali, unindo as dores do Calvário às suas dores. Buscando alento onde só quem já passou por esse sofrimento entende e pode ajudar.

A família está participando todos os dias das celebrações da Semana Santa. A mãe me pediu se a missa de sétimo dia poderia ser celebrada no Domingo de Páscoa. Disse que sim. Claro que sim. Nada melhor que concluir essa semana de tanto sofrimento com a certeza da Ressurreição. Mesmo porque, nessa missa, o salmo trará em seu refrão a seguinte frase: “Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos!”. Será no Domingo da Ressurreição do Senhor que virá a plena certeza de que a morte não existe, pois o que existe mesmo é a vida em abundância.

Compreendi, depois disso tudo, a força que teve a bênção que foi dada no final da missa de Ramos para aquela família. A filha terminou sua missão nesse mundo e fez sua Páscoa eterna, enquanto os seus pais e irmãs, mesmo carregando a cruz do luto e da saudade, podem viver, de maneira intensa, as alegrias da Ressurreição de Cristo. Entre lágrimas, poderão ter a certeza de que o Senhor está vivo entre nós, e encontrarão forças para desejar a todos uma Santa e Feliz Páscoa!