Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
Ele ficou sentado, esperando a sua vez na fila da confissão. Estávamos num grupo de padres atendendo, e na igreja, repleta de fiéis à procura do sacramento, formavam-se filas intermináveis dos penitentes. Mas permaneceu ali, apenas olhando o movimento e deixando passar todos na sua frente. Não tinha pressa, afinal, era ele mesmo que iria fechar a igreja no final de tudo.
Algumas horas depois, quando a maioria já tinha ido e apenas os últimos estavam diante dos padres para se confessarem, sentou-se à minha frente e abriu o seu coração. Na última vez que conversamos, contou-me sobre as situações que o afligiam e faziam sofrer. Agora, tudo mudou. Apenas agradeceu a Deus por saber que suas orações foram ouvidas e estava vivendo dias melhores. O olhar seguro, e ao mesmo tempo tímido, deixava transparecer todas as preces rezadas nos últimos tempos de sua vida. É um homem de oração. Alguns, por consideração ou por deboche, o chamam de santo. Eu prefiro chamá-lo de Bento.
Tem defeitos como todos nós. É teimoso em algumas horas, impulsivo, mas possui uma disposição em ajudar que nem a doença, que há anos castiga o seu corpo, nem a idade avançada tiram-lhe a vontade primeira em querer servir. Abre a igreja, liga os microfones, senta no primeiro banco e pega o seu terço. Reza em silêncio ao lado da esposa, esperando a missa começar.
Jesus, um dia, conversando com alguns gregos, disse-lhes sobre a necessidade da doação total ao Reino. “Se o grão de trigo que cai na terra não morre ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto”. Estava falando da sua morte, que estava próxima, mas ninguém ainda entendia
“Morrer para dar vida”: Essa é a missão do grão de trigo. O pão que comemos é fruto da morte da semente enterrada na terra e que, no silêncio dos dias, rompe em ramos, flores e frutos. Ninguém vê ou sente o que a semente passa nos dias da solidão sob a terra. Assim também nos ensina nossa fé cristã: a morte é apenas uma passagem para a Vida Eterna. E o fruto dessa passagem é o Paraíso.
A morte de Jesus, ainda hoje, é causa de escândalo para alguns, zombaria para outros, mas a certeza da salvação para muitos. Escolher estar ao pé da cruz junto do Senhor é colocar-se no meio do seleto grupo de pessoas que puderam olhar para aquele que fora traspassado e presenciar o nascimento de uma nova humanidade, livre das amarras do pecado e salvas pelo sangue do Cordeiro.
Mas como viver essa loucura da Cruz num mundo extremamente alheio aos apelos do Evangelho? Como solidificar a fé numa vivência tão fraca da religião e do entendimento bíblico?
Recordo novamente daquele senhor franzino e doente que vive em função da sua fé. Sempre esperando no Senhor e, de maneira silenciosa, cumprindo sua missão em servir. Não sei bem se ele conhece essa frase de Jesus: “Se alguém quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo”, mas sei que vive com maestria esse ensinamento.
Estar com o Senhor é encontrar nos detalhes menores da vida motivo para ser feliz e grato por tudo o que possui. Meses atrás, esse senhor passou muito mal e ficou internado por alguns dias. Quando fui visitá-lo, pensei que não voltaria mais vê-lo vivo. Estava muito debilitado, com os olhos fundos e a voz fraca. Rezamos naquele leito de hospital e fui embora com a sensação de que não o teria mais nos trabalhos da paróquia. Mas, para minha surpresa, pouco tempo depois retornou ainda mais disposto. É um homem de fé estruturada e, mesmo na sua simplicidade, não deixa de ocupar o seu espaço dentro da missão que lhe fora confiada.
Nesse tempo de Quaresma, os atendimentos das confissões se intensificam. É muito gratificante ouvir aquele que se preparou para receber o perdão dos pecados. Tem consciência dos seus erros, traz consigo um coração arrependido e carrega o desejo de não voltar a pecar. A misericórdia de Deus, nesse caso, age de maneira abundante.
Mas é também gratificante quando recebemos alguém que nos procura para agradecer as graças alcançadas e, apesar de ser conhecedor de suas fraquezas, sabe também que sem Deus não consegue ir muito longe, por isso carrega no peito um coração agradecido.
Estar com o Senhor é cuidar das coisas do alto, mesmo vivendo ainda na terra. É abraçar a eternidade em meio a tudo o que é passageiro. É ter os olhos de compaixão num mundo cruel e agressivo. É procurar amar sem medidas. É acordar todos os dias e elevar a Deus uma prece apenas por estar vivo. É ajudar as pessoas a encontrarem a paz que só Deus oferece. É esperar horas numa fila de confissão para dizer ao padre: “Hoje eu vim aqui apenas para dizer: obrigado Deus!”.
Rezemos para que encontremos mais pessoas de coração simples e cheias de bênçãos.