Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal
“Ternura”. Essa palavra tem povoado os meus pensamentos nesses dias. Desde a missa do último domingo, tenho refletido sobre o movimento de amor terno que deve envolver o céu e a terra. O Salmo 144 foi o que me alertou sobre a beleza da ternura de Deus por nós. Assim estava escrito numa das suas estrofes: “O Senhor é muito bom para com todos, sua ternura abraça toda a criatura”.
Ao mesmo tempo em que refletia sobre a “ternura que abraça”, a semana foi se desenrolando entre vários acontecimentos bons e alguns tristes também. Todas as criaturas deveriam em algum momento da vida sentir esse abraço de Deus. Conforta a alma, acalma os corações aflitos e traz paz onde há guerra.
A ternura de Deus se dá num encontro de padres que participei nesta semana. Um encontro para partilhar a vida, tendo como pano de fundo uma leitura do Evangelho que falava sobre semeador e sementes lançadas em diversos tipos de terrenos. Falamos que, às vezes, somos os semeadores, outras, as sementes lançadas que precisam dar frutos, mas, na sua maioria, somos o terreno que recebe essas sementes.
Que tipo de terreno sou eu hoje? Fiquei pensando. Sufoco a ternura de Deus derramada em minha vida ou faço crescer e dar frutos para que outros também possam sentir a delicadeza de Deus em querer nos abraçar, acalentando assim a nossa existência?
O encontro terminou com um almoço e mais partilhas. Algumas pessoas colaboraram para que esse encontro acontecesse e fosse tão bom. Os padres, que vieram, puderam sentir que podemos dar mais sem medo de lançar-se nos braços do Pai. E, a certeza de um novo encontro num futuro breve foi a forma de falarmos que valeu a pena estarmos juntos.
Nessa semana, a ternura de Deus também se fez presente em momentos de tristeza. Tivemos dois velórios em nossa comunidade. Um senhor, português de origem, comerciante de profissão, mas esposo, pai e avô de vocação. Cheguei ao velório e encontrei a família reunida em torna da dor e da saudade que já começa a dar sinais de que faria, a partir de agora, parte daqueles corações.
Ele trazia preso à lapela do paletó uma medalha de Nossa Senhora de Fátima. Por trás desse adereço toda uma história construída com sonhos, lutas e vitórias. Deixou sua terra além-mar e veio apenas com a força jovem da pouca idade, a fé católica e a certeza de que não podia errar nas escolhas. Sofreu com a saudade da família, com a ausência dos amigos de infância, com a mudança dos costumes, da cultura e da comida. Mas não olhou para trás. Seguiu a sua vida.
Na nova terra que adotou como sua, casou-se e constituiu família, sempre ensinando aos filhos e netos os valores e as certezas que conservava vivos em seu coração. Teve muita sorte de ter encontrado uma esposa que o amou desde o princípio e que serenou a saudade dos seus que ficaram em terras distantes. Trabalhou muito. Venceu na vida. Amou e foi amado. E, enquanto construía a sua história, contou muitas histórias da sua infância e das suas aventuras de quando era jovem.
Agora, entre as coroas de flores, seu corpo jazia rodeado dos filhos, netos, bisnetos e da esposa, que ainda não podia acreditar no que os seus olhos viam. Os muitos amigos vieram trazendo solidariedade, muitos conhecidos vieram para, de alguma forma, agradecer pelo bem que fizera, e, para alguns, esse bem chegou numa hora difícil e foi de grande ajuda.
Foi sepultado na Hora da Misericórdia, no dia de São Bento. Para sempre ficará na terra em que escolheu para viver e criar os filhos. Deixou o legado de ser justo e trabalhador. Mas também de ensinar aos filhos o valor do trabalho e da família. Por isso, na hora da oração de despedida, encontramos muitas mãos unidas em torno do seu esquife. Os últimos meses não foram fáceis devido à doença que chegou sem pedir licença e tirou-lhe o brilho dos olhos. Mas agora, com a certeza do dever cumprido, que possa descansar em paz junto de Jesus e de sua Mãe, a Senhora de Fátima.
Uma senhora também faleceu, dias depois. No passado foi funcionária da casa paroquial e cuidou por muito tempo do padre da época. Uma alma boa e discreta. Ao redor do caixão, seus parentes e amigos vieram para rezar, velar e sepultar o seu corpo. Completou a corrida nesta terra. Pedimos, no momento da oração, que a ternura de Deus possa abraçá-la também na eternidade. E agradecemos a sua vida e a sua dedicação para com a nossa Paróquia. Que São João Batista a acolha também no Paraíso.
Houve tantos outros momentos ternos e bonitos ao longo dessa semana. Como, por exemplo, as falas de elogio e agradecimentos sobre a quermesse que tivemos no último fim de semana, e sei que não são para mim, mas para todos os que trabalharam, dedicaram, doaram prendas e vieram participar dessa festa. Naquele salão paroquial, na hora da oração que fizemos para começar o festejo, quando todos os que ali estavam se levantaram e rezaram juntos o Pai-Nosso e a Ave-Maria, eu senti a presença acolhedora e misericordiosa de Deus em nossa comunidade. Mais uma vez Ele nos abraçando e sendo bom para com todos.
Deus é bom e generoso, sempre. Devemos ser gratos por Ele estar conosco nos momentos alegres e tristes de nossas vidas.