Cai a tarde. Uma nuvem escura surge no horizonte trazendo consigo um vento impetuoso e muita poeira no ar. A certeza da chuva alegra o coração. Corro para casa, fecho portas e janelas e entro no meu quarto, esperando os primeiros pingos de água batendo no telhado. Eles chegam de mansinho e, sem piedade, caem copiosamente.
Rezo pedindo a Deus força e coragem para que os rios retomem o seu curso normal, cobrindo a terra ressequida pela seca. Rezo para que os galhos das árvores voltem a carregar folhas, flores e, se tivermos sorte, muitos frutos. Rezo pedindo muita relva verde para saciar os animais que precisam de alimento. Rezo pedindo vida, se possível em abundância para todos.
A chuva caiu sem dó. Não quis ficar passeando de nuvem em nuvem pelo céu, mas resolveu descer trazendo consigo um espetáculo de raios e trovoadas, alumiando e assombrando a todos. Lavou a terra, as casas, os meninos que brincavam correndo pelas enxurradas, e também as almas daqueles que esperam um tempo desses para lavar toda a sujeira escondida entre dobras da vida.
E como faz bem tomar um banho de chuva. É como acordar os sonhos que há tempos estavam dormindo. É acreditar na humanidade, mesmo que, em algum lugar, caem do céu bombas e não chuva. É tornar-se um com a natureza inteira e lembrar que somos parte de um todo.
Do nada, ouço um sussurro no meu ouvido: “Minha alma tem sede de Deus”. É um salmo do Rei Davi, mais precisamente o sessenta e três. E me dou conta que a minha alma também tem sede de Deus. Deseja ser saciada pelo banquete celestial, com ricas iguarias, sem tempo de relógio e sem medo de ser feliz. Apenas ser saciado. Nasce em mim uma sensação de gratidão. Às vezes, a felicidade me assusta. Tenho medo de não merecê-la. Mesmo assim, busco saciar-me de Deus. O verdadeiro sentido de toda a minha vida.
A noite chega sorrateira e dissimulada. Prometendo tudo e não cumprindo nada. Diz que vai fazer repousar a terra depois da tempestade, mas não conta que pode libertar das prisões pensamentos mais contraditórios, e tirar dos abismos os pesadelos mais variáveis e assustadores. O frade carmelita São João da Cruz, em um dos seus poemas, nos fala sobre “A noite escura da alma”, e essa é a noite que devemos temer.
Tanto o mundo sensível como o mundo espiritual precisam ser constantemente purificados de toda a maldade, que ainda insiste em habitar no coração humano. É preciso passar pela noite escura sem medo e sempre manter a alma iluminada. Para isso a lâmpada precisa estar acessa e o óleo estocado. É preciso prudência, diz Jesus. Caso contrário, corremos o risco de viver mergulhados na noite para sempre. Não a noite do tempo, mas na noite da alma.
Viver é busca incessante. Da beleza de estar vivo. De procurar entender o sentido das coisas, das pessoas, das situações. É ser sábio o suficiente para buscar respostas que já estão em nós e que não dependem de ninguém e de nada para nos ensinar. É saber que o Deus que habita em mim, também habita no outro. E assim, não preciso ir muito longe para tocar aquilo que é sagrado.
É descobrir que quando o primeiro homem e a primeira mulher pecaram contra o amor de Deus, o próprio Deus saiu pelo Jardim do Éden procurando-os e quando os encontrou, depois de ouvi-los, costurou uma roupa de peles de animais para que não ficassem mais nus. Podemos nos perguntar em segredo, no fundo da nossa consciência: Mas que Deus é esse que, mesmo diante do pecado da sua criatura, não suporta vê-los despidos e expostos em sua própria pobreza humana? Que Deus é esse que os ama apesar de tudo e que a única coisa que espera de volta é o amor gratuito e partilhado?
A noite vai avançando no seu curso normal. Daqui a pouco os primeiros raios de sol começarão a anunciar um novo dia. O tempo está frio. Não como de um inverno extremo, mas pelo menos amenizou o calor e trouxe um refrigério para o corpo e para a alma. Com os pensamentos soltos ao vento, vem-me à cabeça agora um oásis.
Um oásis em meio ao deserto é a presença de Deus em nossa vida. É como encontrar água onde só existe areia. É como encontrar pássaros no céu onde não se veem nem as nuvens. É como encontrar árvores onde nem as raízes mais resistentes podem espalhar seus tentáculos e fixar a planta. E, o mais belo disso tudo, é que Ele se deixa ser encontrado. O nosso Deus não se esconde. Não se afasta de nós e dos nossos devaneios. Traz sim alívio e faz retornar os sonhos esquecidos pelo coração calejado de dor e decepção.
No novo dia que amanhece tudo parece normal. Algumas mulheres varrem as calçadas e reclamam da sujeira que a chuva trouxe. Outros passam apressados para o trabalho e nem percebem que choveu. Outros ainda apenas acordam e voltam a fazer as tarefas programadas que nunca têm fim, dando a impressão que assim estão vivos. Corpos sem coração. Bocas sem sede. Noite sem lua. Alma sem conforto.
Sede de Deus. Passa pela minha reflexão solitária e silenciosa. Sede de Deus é o que falta no mundo de hoje. Assim como a chuva trouxe um alívio a terra, Deus também traz a paz que tanto procuramos. Aproximemo-nos do Coração Sagrado de Cristo e bebamos dessa água que brota do seu lado aberto. Essa sim mata a sede de nossa alma para sempre.
Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz
Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal